Falta d’água: enfrentando o estresse hídrico na América Latina e no Caribe

As consequências do fenômeno são consistentes entre os países, mas a gravidade varia significativamente dentro de cada país.

8 de August de 2024

Impulsionado por crescimento populacional, expansão agrícola e necessidades industriais, a demanda global por água dobrou desde 1960. Na América Latina e no Caribe, espera-se que a demanda continue aumentando, crescendo 43% até 2050, quase o dobro da média global de crescimento, de 20-25%.[1]

Os últimos anos testemunharam uma série de secas intensas, que afetaram países na região. Em 2023, o México enfrentou seu ano mais seco já registrado, com estiagens atingindo 55% de seu território. Por situação semelhante passou o Uruguai, cujo governo chegou a declarar emergência hídrica devido ao armazenamento de água criticamente baixo, que impactou mais de 60% da população. Enquanto isso, reservatórios de água no Chile e em cidades como BogotáCidade do México estão perigosamente próximos do esgotamento.

O estresse hídrico reflete a relação entre oferta e procura de água em uma área. A demanda por água, para necessidades domésticas, agrícolas ou industriais, combinada com o suprimento de fontes renováveis, como rios e águas subterrâneas, determinam os níveis de estresse hídrico. Quanto mais próxima a demanda estiver da oferta, mais elevado o nível de estresse, tornando a área mais vulnerável à escassez. Altos níveis de estresse indicam mais competição entre usuários pelo acesso à água.

Este #GraphForThought utiliza dados do World Resources Institute para explorar níveis atuais e projetados de estresse hídrico na América Latina e no Caribe, considerando cenários de mudança do clima e aumento das temperaturas globais. A Figura 1 mostra a porcentagem de países lidando com estresse hídrico, variando de baixo-médio a extremamente alto, com base na utilização de recursos. Países com estresse extremamente alto utilizam mais de 80% de seus recursos hídricos para cobrir suas necessidades produtivas e domésticas, tornando até mesmo secas curtas um risco significativo. Considerando que as mudanças climáticas impactam o suprimento de água, a análise ainda examina o estresse hídrico em relação a diversos cenários de aumento de temperatura, desde otimistas até pessimistas, em comparação com uma linha de base de 1979-2019: (1) o cenário otimista, em que o aumento de temperatura até 2100 está alinhado com o Acordo de Paris, (2) o cenário intermediário, em que os esforços atuais de mitigação climática continuam, e (3) o cenário pessimista, em que o uso de combustíveis fósseis se intensifica, levando a temperaturas ainda mais altas.

Em um cenário de "business as usual", sem esforços intensificados de mitigação da mudança global do clima, quase metade dos países da América Latina e do Caribe enfrentará estresse hídrico de médio a extremo até 2080. Especificamente, 29% experimentarão estresse de médio a alto, enquanto 16% enfrentarão estresse alto a extremo. Mitigar o aumento de temperatura pode evitar que a situação se agrave, potencialmente mantendo níveis semelhantes aos da linha de base até 2080.

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As consequências do estresse hídrico são consistentes entre os países. No entanto, a gravidade varia significativamente dentro de cada país. As secas costumam exacerbar as desigualdades relacionadas ao acesso à água, como evidenciado em um #GraphForThought anterior.

O impacto do estresse hídrico vai além das preocupações ambientais. Pode impactar a saúde, já que a escassez pode levar ao consumo de água contaminada e a condições de saneamento precárias. Afeta a nutrição, pois os alimentos podem se tornar escassos e mais caros. Há um impacto também nos meios de subsistência, já que os rendimentos da terra diminuem. Relatórios sugerem que, entre 1970 e 2019, a América do Sul sozinha perdeu aproximadamente US$ 28 bilhões devido a secas. Além disso, em 2023, perdas significativas de colheitas atingiram 30% na Argentina e 80% no Peru como resultado de estiagem. Secas sem precedentes também interromperam o tráfego de navios pelo Canal do Panamá, afetando uma parte substancial do PIB do país e uma parcela significativa do comércio marítimo global.

O estresse hídrico também impacta a energia. Ao longo das últimas duas décadas, mais da metade da energia da América Latina e do Caribe veio de geradores hidrelétricos, uma tendência que tem aumentado constantemente, conforme apresentado em um #GraphForThought anterior. No entanto, o estresse hídrico está tornando essa fonte de energia menos confiável. Em abril, o Equador, que depende de usinas hidrelétricas para mais de três quartos de sua eletricidade, declarou estado de emergência e começou a racionar eletricidade devido à precipitação insuficiente.

Entretanto, a situação hídrica na região envolve mais do que apenas estresse hídrico. Previsões indicam que alguns países enfrentarão níveis mais baixos de precipitação, enquanto outros terão estações chuvosas mais curtas juntamente com eventos pluviométricos mais extremos, quando o equivalente a um mês de chuva pode precipitar em um curto período (IPCC, 2021). Atualmente, aquíferos e paisagens não conseguem absorver esse excesso de água, levando a significativos escoamentos (escorrências superficiais, em termos técnicos) e secas prolongadas. Isso demanda planejamento estratégico e investimento para gerenciar eficientemente a água durante períodos secos e úmidos, mitigando os efeitos das mudanças climáticas e aliviando a pressão sobre os suprimentos existentes.

A América Latina e o Caribe são ricos em recursos hídricos, mas ao mesmo tempo sedentos de soluções para enfrentar uma situação de estresse hídrico cada vez mais grave. Reforçar a governança e a gestão da água é essencial para fortalecer a resiliência a choques relacionados ao clima. Exemplos de cidades como Cingapura e Las Vegas demonstram que as sociedades podem prosperar em condições de escassez hídrica, com estratégias como substituição de gramados de alto consumo d’água, projetos de dessalinização e aprimoramento do tratamento e reuso de águas residuais. Compromisso político e apoio financeiro adequado são essenciais para que os países evitem que o estresse hídrico se transforme em uma crise hídrica completa.

[1] O aumento na demanda por água é calculado com base nos níveis de 2019.