Onde foi parar a pobreza?
1 de November de 2024
Polarização política, emergência do clima, crime organizado, migração e baixo crescimento econômico dominam atualmente o debate público na América Latina e no Caribe (ALC). Com razão. Porém, há um grande desafio estrutural para o desenvolvimento humano e a própria democracia que, além das desigualdades, se encontra na raiz dessas crises: a pobreza.
Hoje, 181 milhões de pessoas, 29% da população da região, vivem em condições de pobreza monetária, e 33 milhões sofrem com pobreza multidimensional aguda (considerando os países com dados disponíveis). Avançar rumo a uma ALC mais próspera e resiliente implica colocar a pobreza em todas suas formas e dimensões no centro do debate público e abordar novas respostas por meio de políticas públicas.
Nas décadas passadas, a região reduziu significativamente a pobreza ao aproveitar o crescimento econômico dirigido pelo ‘boom’ das commodities e a introdução de políticas públicas inovadoras focadas em solucionar esse problema, como transferências condicionais de recursos financeiros – sistemas em que dinheiro é dado a famílias em situação de pobreza em troca de investimentos específicos em desenvolvimento humano, como garantir a frequência escolar dos filhos ou a participação em campanhas de vacinação.
No entanto, essa tendência começou a se reverter dois anos antes da pandemia.
Revitalizar a agenda de redução da pobreza exige a retomada dessa capacidade inovadora e vontade política. Já se fez isso no passado. É preciso fazer novamente. É possível. A proposta recente do Brasil para o G20 de promover a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza é um excelente passo nessa direção.
Para isso, será essencial entender melhor e medir as múltiplas formas e dimensões da pobreza, assegurar coordenação efetiva interinstitucional para o desenho e a implementação de políticas e refinar o direcionamento e a alocação de recursos por meio de novos instrumentos de planejamento.
Para garantir que as pessoas em situação de pobreza tenham a capacidade e as oportunidades de viver a vida que desejam, são necessárias ferramentas que captem suas realidades e experiências, inclusive as múltiplas privações que as afetam em diferentes dimensões do bem-estar e que vão além da falta de renda.
Não ter acesso a educação, água, saúde, entre outros recursos, são privações significativas que podem ou não estar correlacionadas com ter dinheiro. Uma pessoa pode ter renda suficiente para não ser considerada pobre, mas não ter acesso à saúde pública porque não há um hospital perto de sua comunidade.
O Índice Global de Pobreza Multidimensional (IPM), lançado pelo PNUD e pela OPHI em 2010, complementa a medição e a análise da pobreza monetária extrema com informações sobre a situação das pessoas em várias dimensões socioeconômicas.
O MPI foi adotado por países mundo afora como medida oficial de pobreza, complementando outras medidas baseadas em renda, e foca nas prioridades de cada país, convertendo-as em ferramentas eficazes de políticas públicas que permitem uma identificação mais precisa de quem são e onde estão as pessoas em situação de pobreza, e como isso varia de acordo com a idade, o gênero, o território e a etnia.
A América Latina tem sido pioneira em adotar IPMs nacionais, em 12 países e duas grandes cidades – Cidade de México e Bogotá – e pode voltar a ser referência em redução da pobreza. O êxito das transferências condicionais de renda no passado significou um salto quantitativo na utilidade dos dados monetários sobre pobreza.
Chegou a hora de replicar esse sucesso ao desenvolver novas políticas transformadoras que tenham o mesmo efeito sobre a utilidade dos dados multidimensionais, utilizando as vantagens do planejamento, a articulação das políticas e monitorando as possibilidades fornecidas pelas informações obtidas pelo uso complementar das duas medidas.
Em Honduras, por exemplo, dados multidimensionais foram usados para identificar melhor a população com as maiores vulnerabilidades como resultado da COVID-19 e para orientar melhor o apoio financeiro.
Por outro lado, uma articulação clara entre outras políticas nacionais e os objetivos de redução de pobreza será crucial para se obter maior impacto.
Políticas como as relacionadas a produtividade, energia ou mudança climática geralmente são definidas de forma setorial, apesar de seu potencial para acelerar a redução da pobreza. Esses vínculos precisam ser formalizados.
É também importante convidar outros atores além do setor público a incorporar essas análises e ações para acelerar a redução da pobreza como parte de suas estratégias de desenvolvimento.
Por exemplo, a associação colombiana de produtores de gás natural (Naturgas) criou um índice de municípios estratégicos que incorpora de maneira explícita uma dimensão de equidade que inclui variáveis relacionadas com a pobreza junto com as variáveis de negócios que as empresas privadas utilizam em suas decisões. Esse índice gera incentivos para investir em zonas de mais pobreza, respeitando a busca de lucro dessas empresas.
Se quisermos retomar o caminho da erradicação da pobreza em todas as suas dimensões, devemos colocar a pobreza e a desigualdade novamente na agenda pública, promovendo espaços de diálogo, colaboração e consenso em torno de políticas públicas inovadoras e transformadoras que nos permitam avançar em direção a sociedades mais igualitárias e inclusivas.
Somente dessa forma, estaremos no caminho certo para alcançar o desenvolvimento sustentável na ALC. Então, não esperemos mais para dar o salto de que precisamos em inovação pública para um bem-estar e desenvolvimento humano que não deixem ninguém para trás.